terça-feira, 26 de março de 2013

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E EMPREENDEDORISMO


Por Marcos Citeli
Professor do ISE Business School
Diretor Acadêmico do EMBA-Brasil/IESE-ISE
Consultor de Empresas

Muita gente está acostumada a ouvir falar de conselho de administração para as empresas listadas em bolsa, já que existe um requisito legal que obriga as mesmas a constituir um, ou mesmo em empresas familiares, que veem no conselho uma maneira de ter uma opinião menos emocional sobre o negócio.
 Menos comum é ouvirmos falar desta estrutura para o caso de empresas inovadoras que estão apenas começando, as chamadas start-ups.  Isto se dá porque muitas vezes é enfatizada uma das funções do conselho – monitoramento da gestão – em detrimento de outra função: aconselhamento. 
Mas o que é mesmo o conselho de administração? Uma possível definição seria um corpo de membros eleitos ou designados, que conjuntamente aconselha (primeira e mais antiga função deste órgão) e/ou supervisiona (função mais recente surgida com o advento das grandes corporações) as atividades de um ou mais gestores/líderes de uma organização. 
Sua origem como órgão de conselho é remota e Sócrates já dizia “que a guerra é importante demais para que seu manejo fique apenas nas mãos de generais”, e a referência mais antiga que temos notícia talvez seja a do imperador chinês Yao (em torno de 2.300 a.C.) que, considerado um lendário rei-sábio de moral perfeita, constituiu uma junta de conselho, a qual consultava a cada decisão importante que tomava, e assim governou com sabedoria seu reino dos 20 aos 119 anos.
Mais recentemente, com a separação entre propriedade e gestão, comum nas grandes corporações com ações na bolsa de valores, o conselho de administração passou a ter muita importância como defensor dos direitos dos acionistas, principalmente dos minoritários, pois estes não possuem quantidade suficiente de propriedade da empresa para terem o incentivo e/ou força suficiente para defender seus interesses, ficando à mercê dos gestores ou dos acionistas controladores. 
Na função de monitoramento o conselho normalmente estará fazendo o papel de intermediários entre os donos da empresa e os seus gestores e embora alguns dos executivos também possam fazer parte do grupo, contribuindo principalmente com seu conhecimento mais próximo do dia-a-dia da organização, normalmente se pede que a maior parte do conselho seja formada pelos chamados conselheiros externos ou independentes, isto é, membros que não fazem parte do grupo de gestores das empresas. Já na função de aconselhamento, onde a confiança e o conhecimento mais aprofundado da empresa são fundamentais, normalmente é maior o número de conselheiros que tenham alguma relação com a empresa, e portanto não são independentes. O efetivo funcionamento de cada conselho é definido individualmente por cada empresa nos acordos dos sócios ou regimentos internos, tendo sempre que levar em conta as leis do país e do mercado de ações onde está listada.
Cada uma das duas principais funções do conselho – monitoramento e aconselhamento – são enfatizadas, respectivamente, por duas teorias sobre o funcionamento da governança nas empresas: teoria da agência e teoria do stewardship, ainda sem tradução para o português, mas que poderia ser chamada teoria do custódio. Na primeira o conselho serve principalmente para monitorar os gestores, enquanto na segunda sua principal função é aconselhar e apoiar.
A teoria da agência se popularizou como mecanismo que explica bem as relações das empresas listadas em bolsa, principalmente daquelas com grande dispersão de propriedade, isto é, as ações distruibuídas por várias pessoas e sem uma pessoa ou grupo com controle suficiente para ter interesse (e poder influir) nos seus destinos. Assim o conselho de administração “monitora” os executivos para assegurar o retorno desejado pelos acionistas. Reparem que está implícito nesta esquematização uma divergência de interesses entre os gestores e os acionistas.
A teoria do custódio, pelo contrário, parece explicar melhor as relações de governo naquelas empresas onde a divergência de interesses é menor: empresas familiares ou de capital fechado e nas mãos dos executivos principais. Neste caso o papel principal do conselho de administração é realmente aconselhar nas decisões gerenciais, normalmente trazendo seu conhecimento e experiência para as discussões dos rumos da organização.
Para uma start-up que atua em um mercado inovador, normalmente com propriedade nas mãos de um ou mais sócios, todos gestores e donos ao mesmo tempo, como não há divergência de interesse entre proprietários e gestores, a função principal do conselho de administração está em apoio estratégico, uma visão de quem está de fora e tem muita experiência em manter um negócio e pode sugerir caminhos, mercados, contatos e estruturações que ajudem o insipiente empreendimento escapar dos perigos dos começos. Depois de alguns anos, com a entrada de novos investidores, o conselho começa a desempenhar também o seu papel de monitoramento em prol dos proprietários que estão longe da gestão da empresa.
Em particular para uma empresa nos seus primeiros anos, o conselho também ajuda muito no processo de tomada de decisão, pois este envolve olhares enviesados que precisam ser confrontados com outros interlocutores. Como muitas das decisões dos primeiros momentos são prudenciais, isto é, decisões tomadas com pouca informação, sem uma solução correta única, e de muitos riscos, a experiência de empresários mais experientes no conselho traz toda uma gama de vivências que enriquecem o conjunto de possíveis caminhos, ainda que a decisão final fique por conta dos proprietários/gestores. 
Pode-se enumerar alguns pontos de melhora na tomada de decisão que a presenção de um conselho confere: manter o foco, isto é, numa empresa start-up os recursos são muito escassos e dispersões podem ser fatais; prudência, receber alertas e estar preparado para possíveis problemas, sabendo ler sinais de que eles se aproximam; implementação da estratégia, isto é, depois de gastar algum tempo para construir um bom plano de negócios, a implementação do mesmo pode não ser bem feita, e a prestação de contas diante do conselho pode ser um grande catalisador de esforços na direção correta. Todos estes fatores melhoram em muito não somente a tomada de decisão mas também sua execução.
Enfim, pode-se dizer que o conselho de administração tem duas grandes funções dentro de uma empresa: monitoramento e aconselhamento. Ambas possuem arcabouço teórico que as justificam e ambas estarão sempre presente em maior ou menor grau, e a predominância de uma sobre a outra pode ser observada de acordo com o grau de separação entre gestão e propriedade, o que também vai influenciar a sua composição com mais ou menos conselheiros independentes. O que parece ser novidade que tenho observado ultimamente por meio dos nossos alunos do ISE é que também as empresas que estão só começando parecem se beneficiar desta estrutura por meio de sua função inicial antes do crescimento de empresas com gestão e propriedade separadas.