terça-feira, 26 de março de 2013

Liberdade para quê?


Por Prof. Marcos CiteliDiretor Acadêmico do Executive MBA-Brasil/IESE-ISEConsultor de Empresas

Não restam dúvidas de que melhoramos muito nossa capacidade de escolher, isto é, cada vez temos mais opções a nosso dispor, o que nos leva a pensar que cada vez mais aumentamos nossa liberdade. Isto se deve ao fato de olharmos a questão apenas pelo lado da ausência de restrições.



Sei que os zoológicos não gozam mais das boas graças das pessoas. A religião enfrenta o mesmo problema. Certas ilusões acerca da liberdade os contaminaram a ambos.

Vida de Pi, por Yann Martel

Porém, o exercício da liberdade também depende da nossa capacidade de escolher bem e ser livre o suficiente para manter estas escolhas, o que está muito mais relacionado com as nossas limitações internas que externas.


Tornas livre um homem – dizia James Farmer, destacado líder da campanha em favor dos direitos civis do negro americano –, mas ele ainda não é livre. Falta ainda que se liberte a si mesmo”. Esta citação nos remonta a todo o tema das virtudes, palavra que na sua origem etimológica significa força, isto é, capacidade de realizar algo, de suportar dificuldades. Esta realidade se torna mais evidente para nós uma vez que tenhamos exercido a primeira parte da nossa liberdade, isto é, quando fizemos uma escolha, pois depois de uma escolha, precisaremos de força – virtudes – para permanecermos firmes no caminho começado.
Cormac Burke, em um interessante texto1 sobre a crise da liberdade, escreveu que “O homem moderno quer ser livre de. Mas o seu problema consiste em não saber para que deve ser livre... E, como resultado, corre o perigo de perder ou abandonar a sua liberdade, nem que seja pela simples razão de que é cada vez menos capaz de propor-se uma meta que valha a pena, para a qual possa orientar essa mesma liberdade”. E Nietzsche escreveu 2: “Julgas que és livre? Fala-me da raiz dos teus pensamentos, não de como te livraste do jugo. Achas que foste capaz de livrar-te dele? Muitos abandonaram todos os seus valores ao rechaçarem as suas servidões. Livre de quê? Que importa isso a Zarathustra? Olha-me nos olhos e responde-me: livre para quê?...

Enfim, a questão da liberdade, para ser completa, compreende três etapas: ter opções, saber valorar estas opções, e ter virtude para permanecer na opção feita. A primeira depende mais do ambiente externo, a segunda e terceira dependem inteiramente dos obstáculos internos que temos, ou seja, nossa incapacidade de escolher bem, e nossa falta de virtudes para permanecer nesta escolha (a rigor, a própria escolha acertada, a capacidade de decidir bem, já uma manifestação de virtude). Assim, para sabermos se realmente somos mais livres ou não, temos de olhar as três etapas e ver o quanto avançamos em cada uma delas.
Ao observarmos uma dificuldade em assumir compromissos, vemos que no fundo é uma dificuldade em exercer a segunda etapa da liberdade, fruto da falta de saber como valorar as opções disponíveis, isto é, da falta de valores. Uma pessoa, ou um casal, deve procurar conhecer e explicitar qual o seu conjunto de valores, isto é, quais os critérios adotados na hora de encarar as questões mais difíceis da vida, pois somente assim vão poder ser livres de verdade, nunca cedendo espaço para o mais cômodo, quando esta opção for contra os valores, ou as escolhas, feitas anteriormente para guiar as grandes decisões da vida.
A terceira etapa da liberdade nos indica que a incapacidade de honrar compromissos está diretamente ligada à falta de virtude na hora de manter as escolhas feitas anteriormente. Assim qualquer esforço por ser mais livre requer pensar em projetos de vida que valham a pena e por isso mesmo nos motivamos a escolhê-los, e merecem que se coloque esforço para que estes caminhos sejam percorridos. Quando a liberdade não percorre as três etapas, pode-se dizer que está incompleta, ou mesmo que se tem menos liberdade.

A incapacidade de comprometer-se leva a uma paralisia da liberdade, que torna o homem incapaz de escolher de forma mais segura e duradoura, pois estas escolhas – normalmente as mais importantes da nossa vida, como a profissão, o casar, o ter filhos – requerem trabalhar um projeto de vida em comum, estar convencidos de que vale a pena, e ter capacidade de suportar as adversidades próprias de qualquer escolha, lembrando que uma alternativa implica a exclusão de todas as demais3. Estas ideias não são novas, sempre foi assim, e se queremos realmente realizar feitos de peso nas nossas vidas, não podemos fugir de fazer estas escolhas, sabendo que não pensar nelas em si mesmo já é uma opção, e que normalmente leva a um vazio de no fim da vida não ter feito nada que valesse a pena.
Todo este tema da liberdade, e consequentemente do compromisso, tem tudo a ver com a família, uma vez que estamos falando de escolhas com implicações que nos transcendem, e que na maioria das vezes implicam também ter filhos. Como li na parede (wall) do facebook de uma amiga que acabara de ter seu primeiro filho, “É uma emoção indescritível!!! Sou mamãe, Fulano é papai e o Cicraninho chegou firme e forte!”, as maiores alegrias da vida são fruto de escolhas difíceis e que vão nos exigir planejamentos, e compromissos, de longo prazo.

Também precisamos definitivamente encontrar caminhos na vida que nos motivem e nos levem a sair de nós mesmos, e nem sempre temos este assunto tão bem resolvido como se pode supor. Decisões como casar, ter filhos (quantos?) e tipo de trabalho, para serem bem tomadas, vão exigir de nós uma reflexão sobre como queremos viver, ou melhor, uma vez que a vida passa e gastamos ela de um modo ou de outro, como queremos que ela seja vivida. No fundo é um exercício de encontrar quais são os valores maiores que vão guiar as nossas decisões menores, tanto para o indivíduo quanto para o casal.

Resumindo, como no caso deste módulo, são muitas as opções que temos à nossa disposição, e não podemos fugir de fazer escolhas, mas podemos com algum esforço eleger aquelas que nos levem a realizar coisas grandes e que nos vão trazer orgulho de as ter realizado. Para isto, temos de nos fortalecer nas virtudes que nos ajudarão a colocar as dificuldades que vão surgindo no seu devido lugar, abrindo espaço para o que, embora custe mais, também é mais gratificante, e assim poderemos terminar nossos dias com um sentimento de que fizemos algo com a nossa vida que valeu a pena.

[1] Trecho do livro “Somos Livres”, Quadrante, São Paulo, 1989.


2 Trecho do livro “Assim Falou Zaratustra”, Companhia das Letras, São Paulo, 2011.


3 Mons. Escrivá expressa este ponto com a sua característica clareza, e acrescenta um pensamento que deveria ser ponderado por todos os que têm medo do compromisso:

“Quando se escolhe uma coisa, muitas outras – também boas – ficam excluídas, mas isso não significa que falte liberdade: é uma consequência necessária da nossa natureza finita, que não pode abarcar tudo...”.

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